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Resenha: "A Morte de Ivan Ilitch", de Lev Tolstói


Deve fazer seis anos desde que li um livro de um russo pela última vez, lembro que ainda estava no cursinho quando peguei “Noites Brancas”, de Dostoiévski. À propósito, um conto excelente. Ainda me recordo da narrativa, da tristeza do personagem, porém, não me identifiquei tanto como nessa novela de Tolstói.

Como o próprio título já diz, esse livro conta a história de Ivan Ilitch antes de sua morte. Talvez, saber apenas isso não é muito atraente para fazer alguém ter vontade de ler. “Uau, fala da vida de um cara aleatório”. Porém, o que surpreende ao decorrer da novela é a sensibilidade colocada em cada linha.

Ivan Ilitch era um juiz super dedicado à carreira, admirado pelos colegas (e invejado por outros), ganhava super bem, vivia entre a alta sociedade, no meio de pessoas de posição elevada, era casado, tinha filhos, etc. Um dia, enquanto arrumava seu novo apartamento, sofre uma queda e se machuca. Entretanto, achando que não foi nada, continua seguindo a vida normalmente. Acontece que dessa batida, um grave problema de saúde surgiu, e é aí que a escrita de Tolstói começa a fazer sua magia.

Ao decorrer dos capítulos, acompanhamos Ivan se aproximar da morte. Ele vai definhando dia após dia, sofrendo não apenas com a dor no rim e no ceco, mas psicologicamente. Ivan é uma dessas pessoas que nunca achou que morreria. Ou melhor, sabia que sim, mas não dessa forma e não tão cedo. É aquele tipo de situação que sabemos que ocorrerá com todo mundo, mas temos a impressão de que só atinge os outros. As dores que a doença lhe proporciona são imensas, mas nada dói mais do que ver o descaso das pessoas ao seu redor.

Ao ficarem sabendo de sua situação, e vendo-o cada vez mais debilitado, seus colegas e “amigos” se preocupam mais em quem ficará com seu cargo no serviço; sua esposa e filha não sentem a mínima compaixão, e ainda o culpam por estar nessa situação e por virar um problema na vida delas; os médicos (todos renomados) são mais indiferentes ainda ao que ele pensa ou sente, observando-o e tratando-o como um mero pedaço de carne apodrecendo. É surpreendente como você capta bem essas indiferenças e falta de empatia, chegando a se incomodar com toda a situação. O único que o faz se sentir humano é um empregado da casa.

A cada página, Ivan reflete sobre sua vida, tenta buscar nas lembranças momentos de felicidade para esquecer a dor, até que percebe que quase não teve momentos realmente felizes. Tudo o que conquistou não foi por puro desejo pessoal. Seu destaque na profissão e sua conduta foram sempre baseadas no que as pessoas de alto nível aprovariam e julgariam como corretas; seu casamento só ocorreu porque a sociedade também apoiava. O jeito que Tolstói escreve faz a gente pensar se estamos felizes com a vida que temos hoje, mas sem parecer com aqueles livros de auto-ajuda. 

Se você soubesse que iria morrer em poucos dias, estaria satisfeito com o que viveu até então? Com o modo que resolveu viver cada dia? Ivan várias vezes chega a achar que a doença o acometeu porque teve uma vida “imprópria”. Repensa várias vezes sobre tudo, e vai criando cada vez mais repulsa pelas pessoas que insistem em fingir (mesmo que descaradamente) que sua situação não é grave, talvez para não se sentirem mal e não amargarem a própria felicidade. Preferem agir e falar como se fosse algo pequeno e passageiro, e não que a vida dele está para acabar. Sério, cheguei a sentir pena de Ivan (e pena era algo que ele até queria que sentisse por ele, pois seria muito melhor do que essa indiferença).

“A Morte de Ivan Ilitch” é uma experiência sensacional. Até o momento, os russos me mostraram que sabem falar de sentimentos. Essa é uma história um tanto pesada (no sentido do efeito que lhe proporciona, não na fluidez do texto), curta (meu livro tem apenas 76 páginas), mas envolvente, que desperta suas emoções e empatia. Tolstói soube fazer com que a angústia de Ivan atravessasse o livro e atingisse o leitor profundamente.

~ VK ~ 

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