Quem diria que eu demoraria tanto tempo para ler um livrinho de 50 páginas! Essa foi a primeira vez que leio uma obra de René Descartes, filósofo, físico e matemático francês, fundador da filosofia moderna, que viveu entre 1596 à 1650.
Apesar de curto, não chega a ser uma leitura light como histórias e novelas convencionais. Talvez por isso, exigiu um tempo a mais do que esperado pois, a cada parágrafo, eu parava ora para reler para compreender o que estava escrito, ora para pensar sobre o que tinha lido. Definitivamente não foi um bom livro para ler no metrô pois exigia bastante atenção, o que não é possível porque fico com uma parte de mim atenta ao meu redor, não dando a atenção devida às palavras de Descartes.
A pesquisa de Descartes
Esse livro foi escrito numa época em que todas as publicações filosóficas eram escritas em latim, sendo, portanto, acessível apenas para os conhecedores dessa língua; isso é, a sociedade “mais culta”. Descartes, com seu Discurso do Método, quebra esse costume escrevendo em francês, para que esse seu método possa ser conhecido por todos aqueles que se interessarem e “que servem somente de sua razão natural totalmente pura”, não apenas àqueles que “não acreditam senão nos livros antigos”.
Ao decorrer das páginas ele deixa bem claro da importância de passarmos nosso conhecimento aos outros. Que nada vale viver sem ser útil a alguém. Além disso, mesmo que nosso conhecimento seja mínimo perto do que desconhecemos, outro motivo para passarmos adiante o que descobrimos seria para que os próximos continuem de onde paramos, aumentando, assim, o conhecimento humano em relação à natureza.
O livro é dividido em 6 partes:
1. traz as considerações referentes às ciências;
2. apresenta as regras gerais desse seu método;
3. regras de moral que tirou de seu método;
4. razões pelas quais prova a existência Divina e da alma humana;
5. questões de física, explica sobre o movimento do coração, questões da medicina e diferenças entre a alma humana e dos animais;
6. razões que o levaram a escrever e cita os requisitos que julga necessário para avançar na pesquisa da natureza;
Mas o que seria, afinal, esse “Método”?
Descartes afirma que não podemos tomar como verdade tudo que possa supor alguma dúvida; que não podemos tomar como verdadeiro sem contestar só porque tais informações foram passadas à nós por mestres e doutores; que nada é apenas verdade só porque alguém, considerado entendido, nos falou.
Não devemos seguir opiniões alheias sem antes buscarmos as nossas próprias.
Para isso, lista algumas regras básicas para tentarmos alcançar a “verdade universal”:
I- Nunca aceitar alguma coisa como verdadeira caso não a conheça evidentemente como tal, evitando a precipitação e a prevenção, não incluindo em nossos juízos nada que não se apresente tão claro e distintamente a nosso espírito, que não haja motivos para duvidar;
II- Dividir as dificuldades em tantas parcelas fossem possíveis e necessárias, a fim de melhor resolvê-las;
III- Conduzir os pensamentos por ordem, começando pelo mais simples e fáceis de conhecer e depois aos mais complexos;
IV- Elaborar enumerações e revisões completas e gerais, garantindo que não está omitindo nada;
Além disso, pelo fato de estar pensando sobre essas questões, pensando que eram falsas, significava que, por pensar, ele deveria ser alguma coisa. Logo, que a verdade mais sólida, correta e inabalável seria de que “Penso, logo existo”, que o fato de pensar nos faz alguém, prova nossa existência.
“(...)Compreendi então que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste somente no pensar e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. Desse modo, esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e até mesmo que ela é mais fácil de conhecer do que ele e, ainda que esse nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.”
Um pouco mais de sabedoria
Ao decorrer das páginas, Descartes faz várias citações interessantes válidas até hoje, como de pupilos que nunca superam seus mestres; que “são como a hera que não tende a subir mais alto que as árvores que a sustentam”; que se contentam felizes tendo parte do conhecimento de seu mestre sob a condição de nunca o terem maior. Fala também das escolas, que se preocupam mais em exercitar e “fazer valer a verossimilhança do que ponderar as razões de parte e de outra”.
“(...) aqueles que foram durante muito tempo bons advogados, nem por isso se tornam melhores juízos.”
Ele critica esse fato de não incentivar as pessoas a buscarem a verdade; a apenas aceitar e reafirmarem o que já se sabe. Que “preferem o conhecimento de um pouco de verdade à vaidade de darem a impressão de nada ignorar”.
Defende que o melhor pensamento seria o nosso próprio, buscado por nós; que “não se poderia conceber tão bem uma coisa e torná-la sua, quando é aprendida de algum outro, como quando nós mesmos a criamos”, e enfatiza argumentando que, quando explicava algumas de suas ideias para alguém, por mais que a pessoa mostre que entendeu, ao tentar repetir, notava uma série de modificações a ponto de não poder mais considerar aquela ideia como dele (isso me lembrou aquela brincadeira do telefone sem-fio).
“(...) jamais acreditem nas coisas que lhes forem apresentadas como provindas de mim, se eu mesmo não as tiver divulgado.”
Uma outra parte de seu pensamento que me agradou bastante, ao menos em minha interpretação, é que ele dá a entender que qualquer um poderia buscar a verdade. Não precisa ser um sábio renomado para isso. Assim, ele passa esse seu conhecimento à todos escrevendo com uma linguagem mais “informal” para um livro da época. Óbvio que, para conseguir realizar as pesquisas e provar metodicamente, precisaria de um investimento financeiro e intelectual, porém, dá crédito às pessoas só pelo fato delas quererem saber a “real verdade” e quererem seguir a razão da vida, não sendo passivos na recepção de informações.
Enfim, “Discurso do método” foi o primeiro livro que fez eu cometer o pecado de grifá-lo com marca-texto. Sério, senti a necessidade de destacar os principais pontos e todos os que achei interessantes e dignos de levar para a vida (e não, não me arrependo). Com certeza é um livro que ficará para sempre em minha “biblioteca pessoal”, devido à alta probabilidade de eu, futuramente, recorrer a ele para consulta.
Arrisco a dizer que é um dos títulos que considero como “leitura obrigatória” para a vida. Logicamente, você não vai concordar com tudo o que ele diz, mas muitas coisas podem ser adotadas ou, no mínimo, compreendidas.
A graça da vida não é apenas viver, mas sim viver e compartilhar essas experiências com alguém. No dia que recebermos o abraço da morte, pode até ser que nunca mais nos verão por aí, mas o fato de termos deixado nossos conhecimentos com algumas pessoas, ter deixado uma parte nossa no mundo, podemos partir tendo certeza que nossa estadia na Terra foi eternizada para alguém.
E esse alguém passará nossas "vidas" para as gerações seguintes, permitindo que pelo menos nossa mente e memórias perdurem imortais na cabeça de outras pessoas.
Isso deve ser o que chamam de "legado".
~ VK ~
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